Gianni Rodari (1920-1980), escritor italiano, recebeu o Prémio Andersen em 1970 e é autor de Histórias ao Telefone (Lisboa: Teorema), publicadas pela primeira vez em 1962.
O que une todas estas histórias é o telefone, pretexto apresentado no título inicial do livro, intitulado “Era uma vez…”: Bianchi, um caixeiro-viajante de Varese, circulava em trabalho em seis dias da semana, apenas estando um dia com a família; sempre que partia, a filha recordava-lhe que não se esquecesse de lhe contar uma história todas as noites; e, pontualmente, às nove, o pai distante tornava-se próximo, ao ligar para casa para contar uma história à filha.
Necessariamente, as histórias são curtas, porque as chamadas eram caras. E, para conferir mais legitimidade a esta história, duas confidências do narrador: a primeira – “Só de vez em quando, depois de um bom negócio, se permitia uns impulsos a mais”, como a justificar a maior extensão de uma ou outra história; a segunda – “disseram-me que quando o senhor Bianchi fazia as suas chamadas para Varese as meninas dos telefones suspendiam todas as outras chamadas para ouvir as suas histórias.” Recordações de um tempo que se alonga: o da infância, reduto feliz de histórias, de fantasia e de maravilha. Recordação de um outro tempo: o da dificuldade em algumas chamadas, de ligações demoradas, mas, mesmo assim, cumpridas e úteis.
As narrativas, eivadas de maravilhoso, não sustentam uma estrutura fixa que as aproxime. Reina a diversidade, tanto podendo o pretexto ser banal (comer um gelado), como rebuscado (comprar uma cidade), tanto havendo personificações como alegorias, tanto ressaltando a brincadeira com as histórias e com as palavras (o “des-país”, por exemplo, que é também a defesa de um mundo novo e em paz) como alguma dose de moralidade ou aprendizagem ou, até, visão crítica sobre os hábitos (a história em que alguns provérbios são personagens é disso exemplo).
Recomendado pelo Plano Nacional de Leitura, este livrinho (96 páginas, 34 curtas narrativas – sem contar com a do caixeiro Bianchi) diverte, ao mesmo tempo que valoriza a simplicidade. Por outro lado, sem o afirmar explicitamente, convoca também os educadores – especialmente os pais – a serem contadores de histórias.
Cinco máximas de Rodari, aliás, do caixeiro Bianchi:
1. “O descanhão é o contrário do canhão, serve para desfazer a guerra. (…) Até uma criança consegue manejá-lo. Quando há guerra, tocamos a descorneta, disparamos o descanhão e a guerra desfaz-se imediatamente. Que maravilha, o des-país!”
2. “A lágrima de um menino mimado pesa menos que o vento, a de um menino esfomeado pesa mais que toda a Terra.”
3. “Qualquer criança que vem a este mundo torna-se dona e senhora de todo ele, sem ter que pagar um tostão. Basta-lhe arregaçar as mangas, estender as mãos e agarrá-lo.”
4. “Certos tesouros apenas existem para quem primeiro se aventura numa nova estrada.”
5. “Não há ninguém mais feliz no mundo do que o velho que ainda tem alguma coisa que valha a pena oferecer a um menino.”